Introdução
A indústria avícola é muito afetada pela presença de micotoxinas na alimentação tanto no frango de corte quanto em postura comercial, uma vez que as aves são especialmente suscetíveis aos seus efeitos (Muñoz-Solano et al., 2024).
Algumas das micotoxinas mais comuns estão diretamente relacionadas a maiores danos a determinados sistemas. É o caso das ocratoxinas, que mais frequentemente provocam doenças renais; zearalenonas, que se caracterizam pelos seus efeitos no trato reprodutivo; e aflatoxinas, que desencadeiam elevada toxicidade ao nível do fígado (Kalita et al., 2024).
Por outro lado, os diferentes efeitos destes compostos variam dependendo de vários fatores, como a sua concentração, o tempo de exposição, o estado de saúde do animal e a sua idade. Além disso, é importante levar em conta a capacidade de associação sinérgica entre diferentes micotoxinas. Os efeitos carcinogênicos e imunossupressores podem aumentar consideravelmente quando associados (Júnior et al., 2022; Muñoz-Solano et al., 2024).
Aflatoxinas
As aflatoxinas são consideradas, juntamente com as ocratoxinas, uma das micotoxinas mais letais para a indústria avícola (Gómez-Verduzco et al., 2023). Especificamente, a aflatoxina B1 está incluída como cancerígeno do Grupo 1 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (Ruan et al., 2023). Trata-se de um grupo de micotoxinas geradas por fungos dos gêneros Aspergillus e Penicillium. Os patos são o grupo de aves mais susceptíveis a estas micotoxinas (Ruan et al., 2023; Jiang et al., 2024).
Essa micotoxina reduz o desempenho dos animais, pois está relacionada ao menor consumo alimentar que desencadeia um atraso no seu crescimento (Ochieng et al., 2021). Nas aves poedeiras significa menor produção de ovos, bem como redução no tamanho dos ovos (Raj et al., 2023).
Imagem 1. Atraso no crescimento.
As exposições agudas a este composto dão origem a náuseas, vómitos, dores abdominais, convulsões e outros sinais de envolvimento hepático agudo, que podem levar ao carcinoma hepatocelular (Hernández-Martínez et al., 2023). Assim, as aflatoxinas causam fundamentalmente danos ao fígado, alterando o metabolismo da gordura dos animais (Seifi et al., 2022).
Imagem 2. Esquerda: animal saudável, direita: animal intoxicado e com fígado afetado.
Problemas gastrointestinais e estados de imunossupressão têm sido observados em aves continuamente afetadas por aflatoxinas (Saleemi et al., 2020; Sohrabi et al., 2023). Além disso, esta toxina tem sido relacionada com perdas na eficácia da vacinação (Rashidi et al., 2020).
Por outro lado, a aflatoxina B1 está relacionada com uma menor absorção de compostos como cálcio e fósforo, bem como com a alteração do metabolismo da vitamina D. Estes efeitos agravam os problemas ósseos que afetam este tipo de produção, além de dificultar a formação da casca dos ovos (Raj et al., 2023; Paneru et al., 2024). Efeitos teratogênicos também foram observados em aves expostas a essas micotoxinas (Oznurlu et al., 2012).
Imagem 3. Efeitos teratogênicos: retardo de crescimento.
Ocratoxinas
As ocratoxinas são produzidas por vários fungos dos gêneros Aspergillus e Penicillium (Ruan et al., 2023). Essas micotoxinas levam à redução na taxa de crescimento dos frangos de corte, com baixa eficiência alimentar e altas mortalidades. Trata-se de um grupo de micotoxinas que causa perdas econômicas significativas para a produção avícola, dentro das quais a ocratoxina A (OTA) se destaca como uma das mais nocivas. Geram importantes alterações degenerativas nos epitélios dos rins e do fígado (Awais et al., 2022).
O principal efeito da OTA é o efeito nefrotóxico, causado pelo acúmulo desse composto nas células tubulares renais (Stovcho, 2010; Anzai et al., 2010).
Imagem 4. Carcinomas na região dos ureteres de frango jovem macho exposto ao 0TA por 20 meses.
Além de nefrotóxica, essa micotoxina apresenta importante efeito hepatotóxico (Ruan et al., 2023). Altas concentrações em galinhas jovens aumentam a excreção da micotoxina pelo fígado. É por isso que foram encontradas lesões hepáticas em animais expostos a alimentos contaminados (Patil et al., 2017; Stoycho et al., 2010).
Imagem 5. Esquerda: animal saudável, direita: animal intoxicado, fígado pálido e aumentado.
Imagem 6. Lesões neoplásicas no fígado.
Esses compostos supõem uma redução no consumo do alimento e alterações na produção de ovos, reduzindo tanto a quantidade produzida quanto sua qualidade (Vasiljević et al., 2021). Na avicultura, caracterizam-se por gerar estados significativos de imunossupressão, alterando inclusive o desenvolvimento do sistema linfóide, o que resulta em menor tamanho de órgãos como timo, baço e Bursa de Fabricius (Khan et al., 2019; Awais et al., 2022; Gómez-Verduzco et al., 2023).
Além disso, as ocratoxinas geram importantes efeitos teratogênicos (Ruan et al., 2023; Zahoor-ul-Hassan et al., 2011). E tem sido relatada a perda de eficácia de algumas vacinas em animais expostos a elas (Abdelrahman et al., 2022).
Imagem 7. Efeitos teratogênicos. Esquerda: animal saudável, direita: oftalmia
Micotoxina T-2
Os tricotecenos incluem a micotoxina T-2, gerada por fungos do gênero Fusarium, que faz parte dos tricotecenos do tipo A (Yin et al., 2020). Os sinais iniciais causados por esta micotoxina são perda de peso, alterações na pele e nas penas, diarreia e problemas de coordenação (Vörösházi et al., 2024).
A presença de T-2 está relacionada à despigmentação das patas das aves, à presença de áreas cianóticas e à perda da qualidade das penas (Vörösházi et al., 2024). Em aves expostas a alimentos com altas concentrações de tricotecenos, foram detectados sinais dermatológicos, como inflamação e necrose (Gómez et al., 2024). Essa micotoxina dá origem a lesões necróticas ao redor do bico, na cavidade oral e na mucosa faríngea, bem como mais internamente, na moela (Sandu, 2023; Gjevre, 2013).
Imagem 8 e 9. Lesões necróticas em cavidade oral.
Imagem 10. Esquerda: moela de ave sã, direita: espessamento da mucosa da moela e ulceração.
No caso da micotoxina T-2, doses baixas são capazes de causar irritação e danificar a mucosa do trato durante a ingestão, alterando a microbiota do animal (Vörösházi et al., 2024). Além disso, está relacionado à produção de ovos menores e a alterações estruturais e de pigmentação em sua casca (Raj et al., 2023). Seu consumo acarreta perda de qualidade, diminuição da taxa de postura e alterações na eclosão (Sissay et al., 2022). Além disso, a produção de ovos com menor teor de vitaminas, proteínas e minerais tem sido descrita em aves intoxicadas por esta micotoxina (Vörösházi et al., 2024; Puvaca et al., 2024).
Imagem 11. Alteração na qualidade dos ovos.
Alterações neurológicas também foram observadas com sinais como tremores e incoordenação. Sabe-se que o T-2 produz alterações no metabolismo dos neurotransmissores e danifica a barreira hematoencefálica (Vörösházi et al., 2024).
Desoxinivalenol (DON)
DON é uma micotoxina produzida por diversos fungos do gênero Fusarium, que é classificado como tricoteceno tipo B (Ruan et al., 2023). As aves são menos sensíveis ao DON do que outras espécies. Porém, seu efeito nas células do epitélio gastrointestinal torna-o um composto preocupante para a produção avícola, sendo o intestino delgado o local onde exerce maior efeito (Azizi et al., 2021).
Sua presença está relacionada ao atraso no crescimento de frangos de corte, sendo esta micotoxina um fator predisponente para enterite necrótica (Ruhnau et al., 2020; Jia et al., 2023). O seu efeito na barreira intestinal, por vezes associado à presença de fumonisinas, implica em menor absorção, o que leva ao aumento da disponibilidade de proteínas no trato gastrointestinal, que servem como estimulantes para o crescimento de Clostridium perfringens (Antonissen et al., 2014).
Imagem 12. Enterite necrótica causada por Clostridium perfringens.
A exposição crônica ao DON gera estados de imunossupressão nas aves, o que as torna mais suscetíveis a infecções secundárias que podem comprometer a sua saúde. Significa menor consumo de ração pelos animais, bem como diminuição da taxa de postura (Kulcsár et al., 2023).
Por outro lado, em exposições agudas, foram detectados casos de diarreia, anorexia, náuseas, vómitos e irritação (Ochieng et al., 2021). Sabe-se que o DON apresenta efeitos neurotóxicos, dermatotóxicos e eméticos, além de reduzir a eficácia de algumas vacinas (Kulcsár et al., 2023).
Fumonisinas
As fumonisinas causam alterações renais, diarreia e perda no ganho de peso (Ochieng et al., 2021). Seu efeito em frangos de corte leva ao mau desempenho dos animais, aumento de peso em alguns de seus órgãos e hepatite (Kulcsár et al., 2023).
É um análogo da esfingosina, que causa desequilíbrios na síntese de esfingolipídios (Kulcsár et al., 2023). As fumonisinas acumulam-se no fígado e geram estresse oxidativo. Além disso, levam a problemas na absorção de compostos como vitamina D, cálcio ou fósforo, podendo causar problemas de raquitismo (Sokolovic et al., 2022).
Seu efeito a nível gastrointestinal e sua capacidade de imunossupressão, juntamente com os do DON, são considerados fatores predisponentes para uma das doenças mais importantes da atualidade na indústria de frangos de corte, a Condronecrose Bacteriana com claudicação por Osteomielite (BCO). Essa síndrome desencadeia lesões como necrose na cabeça do fêmur, osteomielite ou discondroplasia tibial, que geram claudicação nas aves (Shanmugasundaram et al., 2022; Alharbi et al., 2024).
Imagem 13. Evolução das lesões femorais por Condronecrose Bacteriana com Osteomielite (BCO).
Imagem 14. Evolução das lesões tibiais por Condronecrose Bacteriana com Osteomielite (BCO).
Zearalenona
A zearalenona é uma micotoxina específica de fungos do gênero Fusarium, que afeta fundamentalmente a nível reprodutivo, devido à sua natureza estrogênica (El-Sayed et al., 2022). Produz desequilíbrios hormonais, causa abortos, mortes fetais e tem efeitos teratogênicos (Ochieng et al., 2021; Wu et al., 2021).
Foi observada uma redução na taxa de postura em aves de postura expostas a esta micotoxina (Sifan et al., 2022). Estudos mostram que perus fêmeas adultas alimentadas com 100 mg/kg de zearalenona reduziram a produção de ovos em 20% (Wu et al., 2021). Essas micotoxinas podem causar lesões no trato reprodutivo, como prolapsos (Dinev, 2021).
Imagem 15. Prolapsos em uma ave.
Por outro lado, também foi observado efeito deletério em machos adultos, nos quais foi detectada redução no número de espermatozoides, além de maior precocidade. A exposição a doses de 800 mg/kg mostrou uma redução no tamanho da crista e dos testículos de alguns machos (Zoila et al., 2019; Wu et al., 2021).
Imagem 16. Esquerda: testículo masculino saudável, direita: atrofia testicular.
Casos de acondroplasia e perdas de desempenho foram detectados em frangos de corte causados por zearalenona (Sifan et al., 2022). Essa micotoxina também possui efeito hepatotóxico e nefrotóxico, além de gerar estados imunossupressores em animais (Wu et al., 2021).
Conclusão
Os efeitos destes compostos são capazes de gerar problemas significativos de saúde nas aves, bem como perdas econômicas significativas para a indústria avícola mundial. É por isso que devemos estar conscientes da importância destas substâncias e agir em conformidade através de estratégias de prevenção e controlo.